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‘Elagalinha’ compactua com o seu público que a educação deve ser libertadora

Ao som de muito rock, tocado pela Banda Granja Sound, e de interações com a plateia, se inicia a peça da Cia Bendita, Elagalinha, com texto e direção de Marcelo Romagnoli, Jackie Obrigon vivendo a galinhazinha e Cris Rocha como seu pai.

A pequena família está entre a empolgação da galinha em relação à experiência do seu primeiro dia de aula e a apreensão do Senhor Galo por conta do que ela encontrará neste local. Após arrumar a sua filhinha com uma bela roupinha e de se atrapalhar para vestir a mochila na pequena, o pai lhe faz muitas recomendações (“siga as regras”, “peça desculpa”, “diga a verdade” etc.). Por esse cuidado todo imaginamos um ambiente escolar pouco acolhedor e muito restritivo. Corajosamente a pequena sai para seguir seu caminho com a expectativa das brincadeiras com coleguinhas e dos novos aprendizados.

Elagalinha reeduca espetadores e espectadoras ao mostrar um pai, e não uma mãe como naturalizamos ver, na função de responsável protetor, notadamente, num país no qual 5 milhões de crianças não carregam o nome do progenitor na certidão de nascimento. Essa é apenas uma das muitas lições que aprendemos neste espetáculo de atitude. 

Já no início do caminho Elagalinha é avistada por tipo bem conhecido da plateia, que se assemelha ao ganancioso grupo de empresários do agronegócio e da indústria que desrespeitam o meio ambiente, a fauna, a flora, as populações ribeirinhas, quilombolas, periféricas em função dos lucros financeiros.

Em paralelo à aventura do trajeto escolar, acompanham os acontecimentos duas figuras, dois críticos, um extremamente pessimista e irascível que tece comentários desagradáveis e confere notas zero para todos os desdobramentos e, por sua vez, o seu contrário, que vê tudo com otimismo e alegria e que faz observações estimulantes além que dar notas 10.

Além de uma brincadeira que alude ao papel taxativo da crítica, seriam as duas personagens também metáforas às diversas linhas pedagógicas que podemos adotar nas salas de aula? Ou ainda poderiam representar a postura mais disponível —  ou não — de quem exerce a docência?

Espionada durante todo o trajeto, o fatídico momento chega e a galinhazinha é capturada pelo agroboy, aprisionada dentro de um galinheiro e que ela confunde com uma possível sala de aula. Bem, o espaço é pouco acolhedor e muito precarizado, infelizmente, aproximando-se da estética e do clima de muitas escolas públicas Brasil afora.  

Ansiosa, ela aguarda a entrada de docentes e demais estudantes tentando adivinhar o que virá adiante e para que serve cada objeto naquela classe. Senhor Galo coloca uma capa de super-herói como preparação para salvar a filha, porém acaba sendo capturado também.

Numa reviravolta inesperada, em um dado momento, todos estão presos no galinheiro: pai e filha, proprietário ganancioso, críticos. Galinheiro e escola se misturam e a lousa estrupidada no cantinho direito do ambiente passa a ser utilizada para ensinar desenhos do planeta Terra, redonda obviamente, e para lecionar matemática explicando como se desenham os números, aquele número. Entre uma tarefa e outra cumprida pelas personagens, Elagalinha desenvolve uma narrativa fabulosa na qual humanos e animais falam e se entendem e mostram que a educação é um espaço de disputada e que pode e deve ser um ambiente formativo, lúdico e dialógico.

A aula do espetáculo não acaba, contudo, todas as personagens conseguem se emancipar daquele lugar opressor para dançar um rock em frente ao público. A escolha desse estilo musical historicamente radical indica a postura transgressora que esperarmos de docentes, como o brasileiro Paulo Freire e a continuadora afroestadunidense bell hooks, para quem educação é um campo de experimento que ensina as pessoas a lerem não apenas as palavras, mas o mundo circundante, e como nos ensina a Cia Bendita, nos estimula a criar ideias.

No transcorrer do enredo surge uma cumplicidade entre a plateia e o elenco que selam um pacto contra o abuso, a dominação, a ignorância. Defendendo uma educação que possa ser pautada no cuidado mútuo, na afeição pelas pessoas (no “ódio não, ele não!”), aprendemos que “a cabeça que aprende, mas quem ensina é o coração”.

Com uma comunicação divertida, muitas músicas que agitam o público e cenas que despertam a audiência para nossos diretos e deveres na sociedade, Elagalinha nos ensina a defender a educação e, especialmente, a escola como um dos primeiros espaços de exercício cidadão com o qual temos contato.

(Foto da capa: Victor Natureza)

Olhar crítico de

RENATA FELINTO

obra

ELAGALINHA

Cia Bendita

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