A dramaturga Maria Shu colheu em uma notícia de jornal a história de um menino refugiado, encontrado dentro de uma mala no caminho entre África e Europa. E transformou-a em uma fábula lúdica, que afirma o poder da imaginação, mesmo – ou especialmente – em um mundo que se mostra mais hostil a crianças e adultos de acordo com sua classe social e cor da pele. 

Abu é esse personagem de um destino singular, mas é também a representação de tantos outros meninos que sofrem as violências de uma organização racista da sociedade. A encenação delineia sua linguagem a partir dessa consciência política, alternando o ator ou a atriz que o representa a cada momento, sem perder o vínculo emotivo que cada um deles constrói com o público. Abu é um e é muitos. 

“Quando você dominar o imaginar, você pode ser livre”, diz-nos o menino, segurando a mala dada pelo pai, que lhe serve de companhia e esconderijo. Ao brincar com as muitas vidas dos objetos, como é próprio do teatro e da infância, O Bonde cria um espetáculo em que a crítica social encontra uma forma poética, com uma delicadeza inventiva e afetiva.