Sob honras e condecorações que lhe fizeram célebre o nome, o professor Nicolai Stiepánovitch apercebe-se do vulgar e do banal da vida que construiu, às voltas com uma insônia insistente. “Não dormirmos à noite significa termos a cada instante a consciência da nossa anormalidade”, diz, no conto Uma história enfadonha, de Anton Tchékhov. Com fios destecidos dessa breve fábula é que se costura o espetáculo Alegria de Náufragos, uma dramaturgia criada coletivamente pelo grupo Ser Tão Teatro, César Ferrario e Giordano Castro.

Em um jogo ágil de entrelaçamento de tempos e discursos, o grupo paraibano entremeia esses fios de história ao comentário político, econômico e cultural do presente, avivando o tensionamento entre arte e ciência para além dos conservadorismos. Tal como o dramaturgo russo dissolve as glórias institucionais até a constatação do patético da existência, o Ser Tão dissolve arestas que institucionalizam o discurso científico e o artístico, com humor e algum nonsense, em uma aposta que restitui à inutilidade a potência de criação.

As palavras “voam” entre sequências de cenas que aproximam a literatura de 150 anos atrás e as condições precárias de subsistência artística do presente, numa tentativa de repetir e elaborar a capacidade de suportar – de um corpo, de uma classe, de uma sociedade. Para o Ser Tão Teatro, o palco é um vazio cheio de possíveis, que se coloca diante de um público a quem convida à alegria compartilhada como estratégia diante do naufrágio social.