“tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome”: são versos do poeta pernambucano Solano Trindade. O ritmo lembra o trem que ia a Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde ele morou, e onde, em 1944, escreveu esse poema, ecoando no passado um futuro que ainda hoje não para de não passar. Quem diria que a frase ‘se tem gente com fome / dá de comer” seria de novo cada vez mais atual, e o Brasil passaria mais uma vez pelo cenário crítico de insegurança alimentar?

Ao apresentar a obra poética e política entremeada à biografia do autor, Negra Palavra – Solano Trindade, encenado pelo Complexo Negra Palavra, pelo Coletivo Preto e pela Cia de Teatro Íntimo, afirma a identidade negra como palavra de luta ante os estereótipos dos homens negros de ontem e hoje.

No espetáculo, há múltiplas vivências do poeta, que foi estudioso da cultura popular, militante pela igualdade social e racial, um dos principais intelectuais negros a movimentar o cenário cultural e político do século XX. O amor e o cuidado da família, as feiras da infância em Recife, o trem, e muito mais, se presentificam em cena em corpo e voz, transfigurando-se em ritmos e imagens físicas. A palavra é música: o corpo, o palco, as palmas, a poesia. O canto da liberdade dos povos e do direito do trabalhador.