O FESTIVAL

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FIT Rio Preto 2023

A curadoria de escutar

No Candomblé há um ditado que diz: “ẹni tí ó gbọ́ lè bọ́ lọ́wọ́ òjò”, ou seja, ‘aquele que escuta, consegue fugir da chuva”. Escutar então significa ouvir com atenção, interpretando e assimilando os sons e ruídos que são captados pela audição. Quando alguém está escutando algo, quer dizer que está consciente e atente ao que está ouvindo e ao que está acontecendo ao seu redor. Além disso, escutar é compreender e processar a informação que está a ser recebida de forma a se preparar para que a água seja uma aliada.

No teatro se escuta o tempo todo e com o corpo inteiro. Escutar é uma ação diária. O bom artista é aquele que tem a capacidade de escutar, de dar atenção honesta ao que é dito, mostrado, problematizado. Num período como o que estamos vivendo, com o advento de uma pandemia e a proliferação de tentativas de imposição de projetos políticos autoritários sobre a democracia, movimento favorecido pela falsa impressão de que todes poderão ser escutados no âmbito do “complexo internético”, escutar de verdade é um ato de revolução. Num contexto como este, escutar significa estar aberte, disponível para si mesme e para a/o outre. Não há possibilidade de uma mudança social afirmativa e propositiva em que escutar seja apenas um verbete, e não uma ação verdadeira.

A chuva que é retratada no ditado, pode ser a metáfora de diversas situações traduzidas como chuva. “Aquele que escuta consegue fugir da chuva”. Da chuva torrencial que a/o impedirá de chegar em casa após um cansativo dia de trabalho, mas também da chuva de solidões, de violências, de antidemocracia, de fomes, misérias e desumanização. Escutar é colocar a sua pulsação interna em conexão com a da/o outre, e receber deste a mesma conexão. Escutar é um ato de cura.

E foi sob essa poderosa orientação revolucionária – escutar – que se realizou mais uma curadoria do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, o importante e longevo FIT Rio Preto. É da natureza deste festival atrair uma diversidade de artistas e espetáculos, de diversas partes do Brasil. Nos encontros da curadoria, percebemos que não fomos convocades para a difícil tarefa de selecionar espetáculos para fechar uma programação, mas sim para escutar o que as inscrições de centenas de artistas e grupos nos falavam, gritavam, provocavam, questionavam, problematizavam e assim propor uma programação aberta. Escutem! Esse era o compromisso, essa era a missão.

E escutamos! Procuramos escutar ao máximo e principalmente nos momentos de divergência entre nós, curadores. Nesta situação, foi o momento em que mais escutamos. Escutamos a cada um de nós e escutamos o que as artes, vidas, sonhos de cada inscrito queria nos dizer.

Realizar a curadoria de um festival do porte do FIT Rio Preto não é tarefa fácil mas a escuta diversa reluziu como farol no horizonte e alinhou nossos pensamentos, poéticas e posicionamentos, nos descortinando a presente programação, fruto de uma dedicada escuta. Esperamos sinceramente que tenhamos conseguido escutar e fugir das chuvas.

Excelente FIT Rio Preto 2023!!!! Axé!!!

Fernando Yamamoto (RN), Fernanda Júlia Onisajé (BA) e Tommy della Pietra (SP)
Curadoria de espetáculos

Lugares de escuta, momentos de se entender

Em consonância com a linha curatorial desta edição do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, na curadoria das ações formativas buscamos ampliar o sentido da palavra escutar como verbo, prática e ação. Segundo do Dicionário Oxford:

Escutar (verbo) – 1.1 transitivo direto -estar consciente do que está ouvindo. – “conversando na praia, ouvia o mar, mas não o escutava”. 1.2. transitivo direto – ficar atento para ouvir; dar atenção a. “escutava com paciência aquelas queixas”. 

Após os últimos anos nos quais movimentos da sociedade civil, minorias políticas e a intelectualidade consciente esteve engajada na garantia do lugar de fala,  cujo conceito foi aclimatado à realidade brasileira pelo livro de mesmo nome da filósofa Djamila Ribeiro¹, focamos agora no lugar de escuta.

Afinal de contas, não se trata de ouvir o que as individualidades e coletividades têm a dizer, contudo sim de aprender e de praticar a escuta ativa objetivando contemplar ou se aproximar empática e responsavelmente de sanar anseios e aspirações que se expressam no âmbito das conversas ampliadas.

Dessa forma, tivemos como preocupações na elaboração dessa programação: o contato entre as/os agentes de diferentes condições de existência considerando marcadores sociais como geografias, culturas, idades, cores e etnias, gênero e orientações sexuais, dentre outras, extremamente importantes para uma escuta comprometida com os diferentes públicos que prestigia o tradicional Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto. 

Garantimos uma programação direcionada às diversas audiências de forma a não reforçar marginalidades e convidar todas as pessoas interessadas para ações formativas que, em realidade dizem respeito a quem se compromete em entender e respeitar a multiplicidade humana em suas naturezas e integridade, reforçando o poder das artes cênicas em emocionar, mobilizar e transformar. 

Essas ações formativas foram concebidas a partir do enorme querer focado em confluir  formatos de ações mais tradicionais com outras que ambicionam proporcionar as vivências por meio de novas dinâmicas. Ideamos abarcar as crianças, dialogando com brincantes, oferecer sentidos e sabores, esmiuçar as atuais tensões políticas que nos impactam de forma incontornável. Enfim, acolher umas/uns às/aos outras/outras nas nossas especificidades, apresentando esse conjunto de atividades que reúnem resultados de escutas, que geram novas escutas, para que ecoem no tempo  das pessoas e das relações e no Tempo do mundo e das transformações. 

Por fim, para que se efetive o lugar de fala, temos que nos colocar no lugar da escuta e as duas ações em conjunto compõem o não tão utópico exercício dialógico, vital para todas/os/es. Escutemos, aprendamos.

Renata Felinto
Curadoria de Ações Formativas

 ¹ RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte; São Paulo: Letramento; Justificando, 2017.

O exercício dos sentidos

O teatro é uma forma de arte que sempre esteve presente na história da humanidade. O poder da interpretação e da representação de personagens e situações vividas pelos seres humanos é concretizado na escuta, essencial para a compreensão das emoções, pensamentos e sensações expressas em cena. 

A habilidade da escuta, tanto em profissionais quanto em espectadores, é fundamental para o aprimoramento do teatro e para a transformação pessoal e profissional.

Os festivais de teatro são exemplos da força da escuta na cultura e na arte. Eles são vitrines para o cenário teatral, reunindo produções variadas de diferentes países e regiões. Além de permitirem a troca de experiências entre artistas, são oportunidades ímpares para o público ter acesso a obras de altíssima qualidade, produzidas dentro e fora de seus países de origem. Somente por meio da escuta atenta é possível captar toda a complexidade dos diferentes estilos, técnicas e propostas que são apresentadas em uma programação de um festival, que torna-se um território de investigação e proposições de novos olhares.

O teatro não sobrevive sem o ouvido atento de seu público e dos artistas, assim como a vida não se completa sem a escuta ativa, o diálogo e a empatia. A escuta é a base do entendimento e da reconstrução de um mundo mais justo e solidário, um mundo onde as diferenças são vistas como potenciais para o crescimento, e não barreiras para o relacionamento.

Nesta edição, devolvemos à cidade o Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto, palco nascedouro deste festival e importante equipamento para a democratização da arte e da cultura.

Um Teatro restaurado, ampliado, equipado e revitalizado, para que possa voltar a ser palco de momentos importantes, como o Festival Internacional de Teatro.

Reafirmamos nossa parceria com o Sesc SP, na correalização deste festival, para que a cidade possa vivenciar o que há de mais instigante e revolucionário no campo das artes cênicas.

Nosso compromisso é possibilitar às pessoas o acesso à cultura e à fruição nas artes, transformando o lugar que vivemos, transformando o cotidiano das pessoas e sempre amparados na escuta dos anseios e dos desejos dos cidadãos que formam esta cidade, este estado e este país.

Tenham um inesquecível festival!

Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto

Cultura e economia em movimento

A manutenção de um projeto tão longevo e consolidado, como o FIT – Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, reside, entre outros fatores, na renovada capacidade de mobilizar e articular as diversas instâncias da sociedade em torno de sua realização, enquanto, simultaneamente, ativa e movimenta as múltiplas redes socioeconômicas e culturais na, e da, cidade e seu entorno imediato. 

Em paralelo, a continuidade no tempo possibilita a experimentação de novos processos e formatos, bem como permite aprofundar ou rever estratégias à luz de avaliações e diálogos com os parceiros. Este tem sido um diferencial deste festival, cuja trajetória foi sendo ampliada à medida que os resultados alcançados em termos de integração dos públicos e atores sociais – artistas, produtores culturais, formadores de opinião e aficionados em geral –, foram demandando outras abordagens, sem abandonar suas características originais: fomentar as artes cênicas locais, promovendo o desenvolvimento de redes criativas independentes e a ocupação de espaços públicos e/ou privados na cidade.

A crescente abertura à participação de criadores em nível nacional e internacional trouxe novos ares e perspectivas para os intercâmbios e debates, repercutindo tanto na formação de profissionais do setor quanto das plateias. Tais impactos vêm contribuindo para que espaços tradicionais e alternativos sejam requalificados e/ou dinamizados, desvelando vocações insuspeitas em benefício dos habitantes e dos visitantes interessados na programação do festival.   

Considerando a relevância destes processos colaborativos para todos os envolvidos, outras dimensões merecem destaque: o desenvolvimento profissional e artístico-cultural por meio das trocas de experiências e interações; do cultivo e da celebração de encontros, vivências e descobertas; do propósito de manter um ambiente sensível às criações artísticas; da melhoria e da ampliação dos serviços oferecidos, entre outras.   

Por tudo isso, abraçamos com satisfação e entusiasmo a realização desta nova edição do FIT – Festival Internacional de Teatro de Rio Preto, conscientes da importância de políticas e ações nesse campo para a sustentabilidade do setor artístico-cultural associado aos demais setores da comunidade, em especial os blocos econômicos e suas interfaces no âmbito da economia criativa.   

Confiantes e inspirados pela potência das apresentações cênicas e das celebrações coletivas, Sesc e Prefeitura de Rio Preto, disponibilizam também momentos de respiro, escuta e reflexão capazes de estimular legados mais perenes para os diversos públicos e para a cidade. Assim como pressupõe um consistente movimento de ativação dos diversos setores da economia local, suas múltiplas redes de produção, suporte e logística, permitindo que as circulações aconteçam em vias de mão dupla.

Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc São Paulo

Teatro e seus ofícios – tecendo imaginários

Organizar um festival internacional de teatro, a partir de um projeto curatorial que convida o público para uma escuta ativa e verdadeira, sendo agente indispensável neste encontro, é tarefa árdua de muitos, reunidos em um só corpo, para fazer com que as obras e ações formativas ressoem pela cidade e transformem o cotidiano.

A programação do FIT Rio Preto 2023 evoca a história do teatro brasileiro, trazendo à cena a importância da resistência dos que se mantêm juntos, produzindo arte, e o vigor em carregar a atuação como ofício. Na vivacidade do teatro, os temas suscitados pelas diversas obras apresentam questões urgentes a serem discutidas – a importância social e cultural das diversidades, das presenças – e da não-presença – das conquistas de novas possibilidades de movimentos pelos espaços, do riso como agente crítico, e da resistência como resultado de posicionamentos em busca de um existir possível e impermanente.

Na construção das atividades, além dos artistas, muitos são os profissionais envolvidos para que tudo aconteça. São produtores, técnicos e uma gama de outros profissionais que, mobilizados na organização, nos bastidores e no contato direto com público e artistas, colaboram para que atores, atrizes, diretores e dramaturgos possam expressar imaginários que tocam, diretamente, nosso solo, nosso cerne, nossa humanidade. O trabalho conjunto é uma ferramenta poderosa que nutre a criatividade, a inclusão e a diversidade em todos os aspectos da produção.

Na preparação desta festa rio-pretense, a cidade torna-se artista no encontro potente entre o teatro e o público. Forças de trabalho são mobilizadas e o setor cultural ganha impulso, gerando oportunidades, aquecendo a economia e fortalecendo sua identidade. E é nessa perspectiva que a Comissão Organizadora do FIT Rio Preto reforça o chamado para a escuta com todo o corpo, em um conceito mais amplo, e convida para mais do que assistir ou participar, para vivenciar esse festival.

Comissão Organizadora
FIT Rio Preto 2023

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