Pouco percebemos o quanto nossos movimentos se restringem a um limite condicionado no espaço público. Os gestos aceitos e naturalizados em estações de trem, pontos de ônibus, avenidas, calçadas etc. são como as normas de gênero que amordaçam a expressão dos corpos: tão incessantemente cotidianas que, quando desafiadas, ainda que pela alegria e espontaneísmo, podem se tornar até caso de polícia.

A linguagem da dança-performance tramada pela Muovere Cia de Dança em Desvio é uma ferramenta de interação com motoristas e transeuntes, que, impulsionados pelos estímulos dos performers, produzem movimentos coreográficos na rua. O público que passa pelo local da atividade testemunha e se torna cúmplice da pluralidade gestual capturada no espaço urbano.

O tempo se dilata com o espetáculo através de jogos de improvisação e tarefas, e a formação de grupos diversos nos impele a observar os corpos das pessoas que transitam ao nosso lado na praça pública.

Ao mirar diretamente quem atravessa um calçadão ou uma faixa de pedestres, num instante a paisagem se povoa de novo, e não podemos mais disfarçar o prazer de se mover e habitar o próprio corpo. Adequar nosso ritmo à liberdade de se mover: um feito admirável da performance com direção de Jussara Miranda.