Brás Cubas é um personagem ímpar na literatura brasileira  – e vem sendo reconhecido internacionalmente. Com uma verve irônica de que, talvez, só quem não deixou legado algum seria capaz, ele narra a miséria de uma vida sem paixão, contada aos fracassos, endereçada aos vermes. Obra da maturidade de Machado de Assis, publicada em 1881, mantém seu lugar privilegiado no cânone literário pela inovação formal da narrativa na voz de um morto.

O grupo Armazém escolheu trabalhar com esse romance recompondo-o em três planos de ação: as memórias encenadas do morto; seus pensamentos narrados; e os comentários críticos do autor, feito personagem, sobre a sociedade brasileira. Um trançado entre escrito e escritor, literatura e cena, em que a palavra se aviva  em pichações, hip-hop e elementos inesperados como um hipopótamo na sala. Estratégias para capturar algo da experimentação de linguagem que a obra literária faz.

No espetáculo, Machado de Assis tampouco se presta à cena somente como o literato; ganha traços de artista contemporâneo, cronista da rua. Suas reflexões se desdobram sobre os tempos e atingem a prepotência elitista e a posição de recusa em que Brás Cubas se refestela, fazendo do vazio de sentido e da aversão afetiva os motores de sua mordaz franqueza.