Antes de Renata Carvalho, o que vemos é um corpo recortado por luz e sombra. Travesti, diz o letreiro luminoso sobre o palco. “O meu corpo chega antes”, avisa a atriz já nas primeiras linhas de seu Manifesto Transpofágico. A consciência crítica do lugar social que ela ocupa e do olhar dos outros sobre si conduz as relações entre palco e plateia de maneira que o público possa, ao vê-la expor-se, ver-se, também, exposto.

Renata evidencia o desacordo entre a identidade e o corpo – esta “jaula” da qual não se pode livrar. Se “é no corpo que as travestis se produzem enquanto sujeitas”, é essa corporeidade recoberta de significações socialmente atribuídas que ela oferece ao escrutínio do espectador. Habilmente, ao nomear o desconforto causado pelo julgamento alheio, devolve-o aos que miram, convidando ao questionamento de sua transfobia.

Além da materialidade, o corpo aparece em sua historicidade. Renata recorre aos arquivos para documentar criticamente uma história cultural das travestis brasileiras, demarcando momentos de agravamento da violência institucional. Evoca uma transcestralidade, lapidando a linguagem para que suas vivências e as de outras pessoas trans encontrem uma forma de transmissão e de inscrição no mundo.

Imagem e linguagem, corpo e história conjugam-se, assim, para colapsar um sistema cisnormativo e inaugurar espaços para as existências trans.